Crise econômica. Assunto amplamente discutido, amplamente divulgado. Importante. Mais ou menos como a morte de Isabela Nardoni, em Março passado. A comparação parece desligada, mas é exata.
Vejamos, o veículo de duas mãos que liga os dois casos, MÍDIA: Divulga todos os dias o esteticamente bacana, aceitável, cool, uma vez ou outra causas sociais, afinal uma vez por mês é o suficiente o trabalhor ver que está na televisão. Na época da morte e após, o assassinato de uma menina de 5 anos foi amplamente explorado pela mídia sem escrúpulos sugerindo culpados e culpadas, cobrando reações de familiares, depoimentos no Fantástico, induzindo a opinião pública. "Que horror" foi um dos comentários que eu mais escutei na época. Informação é uma coisa, indução é outra. É um horror mesmo. Sinto que a opinião pública foi manipulada, não porque acredito que o pai e a madastra da criança sejam inocentes, mas talvez porque esse caso jamais seria julgado com imparcialidade pela exploração pública que a mídia fez durante meses, tanto pelo júri como pelos juízes responsáveis pelo caso. Mas vejamos isso como isso está relacionado a separação de classes utilizada sutilmente pela mídia: Todos os dias em favelas e periferias do Brasil inteiro famílias da classe mais baixa da sociedade passam situações inimagináveis, abrindo mão ás vezes da própria alimentação para os filhos. Mais que isso, todos os dias milhares de crianças morre de fome no mundo, bem mais do que a guerra ou a violência (bom lembrar que poucas coisas matam mais do que doenças cardiovasculares, cerebrais e AIDS no caso dos países de Terceiro Mundo). A Fome mais. A Inanição está sim entre as principais causas de morte no mundo. "A cada sete segundos, morre uma criança de fome" (Documento-base da Campanha da Fraternidade de 2005). E Para cada dólar que a ONU gasta em missões de paz, o mundo investe 2 mil dólares em guerras. Onde estão os cartazes?
Eu me pergunto o que faz a divulgação desses dados - chocantes - ser tão restrita. Em 2005 a cada sete segundos morria uma criança, hoje, é a cada cinco. Não consigo deixar de me preocupar, isso acontece pela naturalização que damos usualmente à pobreza; pela banalização que envolve as injustiças sociais, cotidianas ou não; e, sobretudo, por serem as mortes por fome eminentemente marcadas pela classe social de suas vítimas: são os pobres que morrem de fome, e morrem de fome principalmente os pobres de países com elevados índices de pobreza e de desigualdade social. Depois disso vem o cúmulo, quando Márcia Quintslr, chefe da Coordenação de Emprego e Rendimento do IBGE (2006) diz: "O cenário não é a África, vamos deixar isso claro, embora no estágio mais grave seja identificada a fome", afirmou Márcia Quintslr, chefe da Coordenação de Emprego e Rendimento do IBGE (2006), se referindo a grande crise brasileiro em 2004 estiluladora do Fome Zero. Ok, fiquem tranquilos com a África. Sem pensar que hoje para nós é só "a fome". Amanhã a AIDS, as doenças, a superpopulação, a condição (ou pensando bem a falta de condição) social, humanamente aceitável.
Tudo isso está ligado ao sistema onde vivemos. Defendemos o capitalismo que sempre foi o sistema vigente aqui, e que fracassou aqui como para a maioria da população mundial. O mesmo sistema que mente para nós todos os dias, induzindo futilidade e mentiras. Hoje no mundo somos 6 bilhões de habitantes e segundo o BM 2,8 bi sobrevivem com menos de 2 dólares por dia. Todos criticam Cuba por não permitir que seus 'nativos' saiam do país, quando na realidade os que criticam provavelmente jamais poderão sair do seu Estado, levando um vida miserável assim como milhares de outros. Porque eu digo isso? Talvez porque o fato mais relevante que a imprensa brasileira conseguiu explorar durante 2 meses inteiros foi uma única menina de classe-média, cujo pai era advogado reconhecido foi jogada de um edifício da Zona Norte paulistana. Pra quem acha a África muito distante: 54 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da miséria: recebem menos de meio salário mínimo por mês; E percebam.. eles recebem, isso é, eles trabalham. Isso.. é.. trabalho?
A Mídia explora tudo aquilo que lhe é vantajoso, conveniente. O grande mercado paga aos veículos de comunicação para lembrar as pessoas que está tudo bem, não é tanta gente assim, e afinal de contas, isso ainda não atingiu você! E daí gente que enfrenta a fome, o trabalho árduo, o dinheiro (e a falta dele), o cansaço por tudo isso todos os dias não é lembrado no Jornal das 19h. Muito menos todos os dias quando eu abro o Correio.
Desde o começo de 2008 só se fala na crise econômica que atingiu os bolsos da maior potencia mundial, indicando a alta ou a baixa do dólar, a sua valorização comercial. MAS.. Onde estão as relações humanas? Onde estão as milhares de pessoas desabrigadas por causa dessa mesma crise, as crianças que estão sendo criadas dentro de carros sem esperança ou expectativa de vida? Para os estremistas que ao acaso vão ler este texto, não defendo os EUA, defendo a vida. E a condição para a sua pré-existência. Coisa que todas as noites - além da morte de meninas classe-média - deviamos ver no Jornal.
Sinceramente não vejo motivo para o alarde inicial. A única diferença da crise hoje, já cotidiana para todas as classes média-baixas anteriormente, é que agora é quem tinha dinheiro foi "mais" atingido, não foi possível lançar o gás para o bode expiatório: O Povo. Infelizmente ela já passa fome e necessidades básicas todos os dias. Pra quem sempre viveu dentro de uma crise - crise econômica, crise social, crise HUMANA - a crise econômica que estorou no último ano significa poucas coisas, sugerindo que nem os causadores dela conseguem se salvar do buraco fundo para o qual eles estão levando a humanidade. Usando o gancho que li em uma coluna da Rosane de Oliveira se referindo em quem vai acabar a festa e fechar as portas: "Quem vai apagar a luz?"
Desumanização, fome, precarização, desvalorização do ser humano por ele próprio, tráfico, meio-ambiente, inversão dos valores.
Quem vai ser o último a sair?
"Quem vai apagar a luz?"
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