14 de junho de 2009

O cara era um artista

Domingo, frio, solidão, resulta em redenção e pipoca. Desde que eu sou piá (mesmo) eu vou na redenção, tem o zé da folha que me impressiona até hoje (juro que não sei como ele faz aquilo), o gato super arriado em todo mundo (medo). E as estátuas vivas. tinha uma ou duas que eu sempre gostei.. mas hoje eu encontrei uma cara especial. Ele era um artista.

Ele recitava como quem tenta explicar em gestos o que o mundo precisa. Gesticulava como poucos atores de hoje, com o olhar voltado para o mundo, realmente o palhaço, quebrado por dentro sorridente por fora, trazia alegria a quem quer que fosse. Convocava emoções, tristezas, obviedades esquecidas, engolidas pelo dia, quando a noite tem tanto a nos oferecer. E foi o que eu vi hoje.. Um artista.

Sapatos sociais marrons, meia calça marron indo até o joelho, uma calça social cinza cortada no joelho. Camisa branca, colete cinza, casaco de lã abaixo da cintura. Rosto pintado. E é claro uma bengala, daqueles típicas de madeira, com uma bola na ponta. No pedestal dizia "ESTÁTUA VIVA, recita poesias a partir de R$0,25". Estava em um daqueles momentos que tu olha pro nada.. quando escutei. "...mais dos nossos pais do que aquilo que pensamos." Uma menina que ali brincava, depositou uma moeda na mala. "Aprendemos que nunca se deve dizer a uma criança que ter sonhos é uma ilusão, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se elas acreditassem nisso." A criança se segurou na perna da mãe. A mãe sorriu. "Aprendemos que quando estamos com raiva temos esse direito, mas isso não nos dá o direito de sermos cruéis. Descobrimos que não sermos amados da forma que amamos, não significa que esse alguém não nos ame também, pois existem pessoas que nos amam, só não sabem demonstrar isso." Uma senhora já de certa idade abraçou a amiga que estava ao lado, elas se olharam. "Aprendemos que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes temos que aprender a perdoar-nos a nós mesmos. Aprendemos que com a mesma severidade com que julgamos, seremos em algum momento condenados." Não havia reparado. Ela chorava. "Aprendemos que não importa em quantos pedaços nosso coração foi partido, o mundo não para, para que a gente o concerte." Ela limpou o rosto, ele olhou pra ela, ela sorriu.

Ele subiu em seu pedestal e assumiu o papel de relógio com a begala. E se mexeu de acordo com o movimento horário, arregalou seus olhos e disse, sussurou, no tom de quem conta um grande segredo: "Aprendemos que o tempo não é algo que possa voltar para trás!"

"Depois de certo tempo aprendemos que realmente podemos suportar.. que realmente somos fortes, e que podemos ir muito mais longe do que pensamos poder ir." Eu sorri. "Que a vida tem valor e que temos valor diante da vida. " Ele sorriu e disse com grande admiração: William Shakespeare, nosso grande poeta. Os trausentes que ali tinham ficado parados, bateram palmas suavemente, e continuaram, ele voltou a pose de Chaplin. Segurando a bengala ao meio, com os olhos fechados. Continuei meu caminho, pois tinha um compromisso.. E então, mais tarde passei por aquele mesmo lugar comendo minha pipoca. Aborrecida, tinha acabado de levar um bolo do meu compromisso. Uma adolescente aparentemente um pouco mais velha que pedia uma poesia, ele não conhecia e prometeu pra ela para a próxima semana. Logo depois veio uma moça com uma menininha no colo, já devia ter seus 4 anos, linda. E ela começou a conversar com ele sobre uma certa obra de um certo autor.. e ele também. Deu sua opinião, disse que haviam 49 longos Cantos nessa tal obra. Mas que o único viável a recitar seria o Canto XVIII, coisa, que ele faria agora.

Tinha alguma coisa a ver com anjos. Jesus, trocadilhos com Maria, Deus, a terra, o inferno, e a vida. Incrível, enquanto ele falava a filha dessa moça com a filha que citei anteriormente fazia aquelas bolhas com aqueles potinhos com sabão, e chegou um menino com o pai. Eles ficaram brincando enquanto ele falavaefalava.. o sol brilhava entre as árvores. Era como se as coisas tivessem que ser assim. Como se o destino tivesse que dar a ele alguma recompensa por isso. Esses dias, em um dia que eu tentei mudar minha conduta de várias formas, eu cheguei na frente do portão e a arvorezinha aqui da frente estava cheia de borboletas! Imaginem só! Borboletas! Eram muitas, e ficavam deslizando entre o portão, e a árvore. Foi nesse dia que eu comecei a acreditar que vem de dentro pra fora.. nós fazemos isso. Eu prefiro acreditar, que não foi o acaso que fez naquele dia terem borboletas no meu jardim, e que não foi o acaso que me fez escutar hoje poesia no meu passeio, solitário.

Um comentário:

Mayra disse...

Linda :)
Eu conheço esse "poeta". Ele me lembra alguém. Aliás, nesse mesmo dia, no qual nos desencontramos, vi muitas coisas que me causaram certa nostalgia. Saudades de momentos, de pessoas, tudo como se fosse a primeira vez. Esse é um dos propósitos da poesia, na minha opinião. Retratar tudo o que é belo (e o que não é) com as melhores palavras. Mas de nada adianta ter o dom da palavra e não saber se expressar. É nisso que eu tô pensando hoje. Enfim, para mais informações acesse...
HAHAHA

Queridona. Amei teu texto, amei tuas palavras e colocações. Já te falei que te admiro muito? :)

Beijos, May.